Comitê Olímpico Paraguaio. 6.30 pm. O deputado caminha entre as comissões. Segue seu andar, e volta a se deter. A conversar. Parara ele, o tempo não passara. A não ser porque são dias intensos para o Parlamento do MERCOSUL. Em um par de horas decola seu vôo ao Brasil, e o tempo se escorre entre perguntas e respostas. E mais perguntas. Mas ele não tem problemas em responder. Sente-se a gosto. A historia já a contamos, mas bem vale a pena ser repassada: Florisvaldo Fier é também o Doutor Rosinha desde aquele dia em que, sem dinheiro para renovar seu vestiário, saiu a dar sua habitual recorrida pelas favelas de Curitiba com sua camisa rosada. A única que conservava.
O resto ele mesmo conta:
-Eu sempre trabalhei como médico na periferia da cidade. E sempre fui um simples funcionário público. Antes eu trabalhava e ia à periferia fazer debates sobre o direito à saúde, antes da existência do Partido dos Trabalhadores (PT) já tinha uma militância social junto a pessoas que vivem nos bairros pobres lhes dizendo quais são seus direitos de saúde. E ao mesmo tempo, como médico, militava no Centro Brasileiro do Distrito da Saúde (CEBIS). O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, militava comigo naquela ocasião. O CEBIS lutava para conseguir um sistema público de saúde. Logo fundei o PT. Sou fundador do PT. Tenho 14 anos de profissão, sou médico da Prefeitura de Curitiba e fiz uma opção por trabalhar na periferia, nos postos de saúde.
Pergunta: Por que a política?
Resposta: Hoje acredito que na política eu posso ser mais útil para mudar o sistema que não lhes da o direito de saúde aos pobres. Desde fora da política, dentro do consultório, isso seria duplamente difícil. No consultório, eu atendo. Hoje eu sou más útil na política pública que dentro do consultório. Meu lema na segunda vez que fui eleito foi "A política tem remédio". A política estava muito desacreditada, estávamos no final da ditadura militar.
P: E tem cura o MERCOSUL, com todos seus problemas e conflitos?
R: A União Européia teve cura. Eles tinham mais recursos, aplicaram a alopatia (medicina convencional). O MERCOSUL é mais pobre. Nós nos entregamos à homeopatia. Gota a gota, 100 milhões de FOCEM por ano é muito pouco. Isso é homeopático (risos).
P: Que diagnóstico faz da situação pela que está atravessand o MERCOSUL?
R: Como diz o próprio nome da Cúpula Social, tem que se voltar a alguns temas com mais freqüência. Um deles é a soberania alimentaria. Acredito que é um momento extremadamente importante por alguns motivos. A primeira delas é o assunto das patentes, porque hoje se constrói um novo colonialismo e todo o mundo fica em relação de dependência com as grandes empresas. A segunda é a própria concentração da terra, porque está cada vez mais em mãos de poucas pessoas, e isto é muito preocupante. Relacionado com isto está à dominação das grandes empresas, que retém o fertilizante, os agrotóxicos, retém todo o processo e o preço de compra que pode conseguir dos compradores. Acredito que é um tema muito importante para fazer mobilizações regionais. Outro assunto que vejo é que o MERCOSUL ainda tem em seu dever a livre circulação das pessoas. Tem que se avançar nisso, porque de outra forma não vamos a viver a cidadania do MERCOSUL nem seus direitos. Falou-se de um Estatuto do Cidadão do MERCOSUL, mas isso ficou pelo caminho.
P: Qual é a medicina?
R: O MERCOSUL tem que mudar o processo de negociação, é muito estático e deveria ser mais dinâmico. O método de negociação tem que mudar.
P: Fala de uma reforma institucional?
R: Eu diria que o método de negociação avançaria muito com uma reforma institucional. O Estatuto, como outros temas, não avançam porque se fala de muitos temas ao mesmo tempo, são poucas as pessoas para negociar e tem uma comissão cada mês, cada dois meses, três meses. Assim não. Se você fala só de um tema vamos a esgotá-lo, e muito rapidamente. Fixar prazos. No caso contrario não há dinâmica, e isso deve se cobrar ao mesmo bloco as organizações sociais e a sociedade civil.
P: E que papel lhe cabe ao Parlamento do MERCOSUL em tudo isso?
R: A possibilidade de que o Parlamento possa gerar uma supranacionalidade em alguns temas políticos incomoda os poderes executivos, não de todos os países mas sim de alguns...
P: Fala dos governos atuais dos países do MERCOSUL?
R: Sim, sim. Há parlamentares que estão mais submetidos às decisões de Estado que a decisões ideológicas que constroem as famílias políticas, preferem continuar se explicando com seus governos e não construir famílias ideológicas. Esse é um problema muito grave. Eu acho que vamos superar isto com eleições diretas. Aí sim haverá uma cobrança direta do povo com seus representantes eleitos. Agora os representantes são eleitos indiretamente, não há como cobrar deles. Assim como estão as coisas a sociedade civil não pode reclamar o Estatuto de Cidadania do MERCOSUL...
P: Vai ter eleições diretas para o Parlamento do MERCOSUL no Brasil?
R: Sim, acredito que em 2014. Porque o informe aprovado pela comissão de Relações Exteriores assim como o de Finanças são favoráveis a esse ano. Agora falta uma análise constitucional. Tem gente que pensa que estas instâncias não são necessárias porque depois vem o caminho da Unasul...
P: O MERCOSUL continua valendo a pena? Há quem fala de uma virada pra Unasul...
R: Eu acredito que não se opõe o um com o outro. Agora pela manhã havia uma conversa dos chanceleres onde estavam falando da vontade de convidar Equador e Bolívia para ser parte do MERCOSUL. O MERCOSUL tem uma característica comercial e a Unasul política, então é possível avançar no comercial involucrando países ao MERCOSUL e ao mesmo tempo fazendo um desenho político da região com decisões políticas como tem sido a criação do Plano Estratégico de Segurança da Unasul. Isso é muito importante porque todos os planos estatais de segurança foram apagados pelos Estados Unidos, então é uma mudança fundamental.
P: Um partido político regional ao estilo europeu ou prefere falar de famílias ideológicas?
R: Criar um partido político de esquerda em um único país é difícil, imagine o que pode chegar a ser criar em vários países um só partido político. Acredito que temos que construir as famílias políticas, começar a se aproximar através das famílias. Recentemente participei com Lula em uma reunião na que o debate girava em torno da América Latina e o Caribe. Não houve manifestações de Lula sobre um partido político, mas sim de como atuar politicamente na região. Esse era o debate. Não estamos debatendo partidos políticos, estamos debatendo sobre como fazer que a esquerda na América Latina atue em conjunto para mudar a região como um todo.
P: Se desencanta a esquerda no governo?
R: Há alguns setores da esquerda que se desencantaram com o exercício do governo. Alguns deles acreditaram em algum momento que chegavam ao poder. Não, não chegamos nunca ao poder. Há uma correlação de forças que não nos permite estar no poder; nós só estamos no governo. Tem que se acomodar as forças para um dia chegar ao poder. Alguns ingênuos imaginavam "agora estamos no poder e podemos fazer tudo". Esse foi o desencanto de uma parte, mas outra parte, que tem os pés sobre a terra, está acumulando forças. A vitória em Peru é uma acumulação em um país que não tínhamos.
P: Vê o Peru no MERCOSUL?
R: De momento há uma regra no MERCOSUL que diz que um país que tem um Tratado de livre Comercio (TLC) bilateral, como tem Peru, não pode entrar ao bloco. Por isso sempre falamos de Equador e Bolívia, porque eles não têm um TLC. Chile tem com os Estados Unidos e a União Européia, Peru com os Estados Unidos. Com estas características, seu ingresso ao MERCOSUL é improvável.
P: Da a impressão que com sua presidência, o Parlamento começou a construir uma certa identidade e a aceitar certos mecanismos, mas logo pareceria que tudo isso se perdeu na espera de decisões legislativas dos países. Como é o Parlamento do MERCOSUL que o senhor espera? Quê identidade gastaria lhe dar?
R: A identidade da autonomia, o Parlamento da iniciativa firme. Em Tucumán, quando em 2008 assumi como presidente do Parlamento do MERCOSUL, e entanto os governos mostravam sua preocupação pela diretiva européia para a imigração, o Parlamento foi o primeiro em rejeitá-la. Foi um passo importante. E acredito que o caminho, ademais, é trabalhar a visibilidade. Nós, como Parlamento, temos que mostrar que os interesses que nos movem são os direitos da cidadania.
P: Não sempre os interesses nacionais representados dentro do bloco garantem a presença cidadã...
R: Claro. Esse deve ser o objetivo: a presença cidadã é por isso também estamos trabalhando no diagnóstico do MERCOSUL, que eu não conheço ainda seus conteúdos, mas que sem lugar a dúvidas deve por o dedo na ferida. Há feridas no MERCOSUL, mas pareceria que tudo fica encoberto. Põe-se um esparadrapo e pronto, passamos a outra coisa. O Parlamento vive hoje uma dificuldade, uma dificuldade cultural de alguns parlamentares, que ainda não conseguem compreender o papel do legislativo, porque não é para defender o nacional, senão a cidadania em geral. Essa dificuldade é cultural e individual, de muitos parlamentares, que logo do nome se dão em chamar parlamentares nacionais e em terceiro lugar do MERCOSUL. Dá-se mais prioridade à tarefa de parlamentares nacionais, que são estruturados, têm um papel definido e um salário que a sociedade paga. Aqui não temos salário. É algo assim como: onde cobro mais, me dedico mais. Onde cobro menos, me dedico menos. Somos poucos os que assumimos o compromisso de construir efetivamente o parlamento...
Ricardo Scagliola, Ignacio Gómez
Enviados a Assunção, Boletín Somos MERCOSUL