Eleições 2025: Resiliência democrática na América Latina e Caribe
1. Introdução
Após a intensa maratona eleitoral de 2024, que mobilizou mais de 2 bilhões de eleitores em processos nacionais e subnacionais ao redor do mundo — incluindo 8 dos 10 países mais populosos do planeta: Bangladesh, Brasil, Índia, Indonésia, México, Paquistão, Rússia e Estados Unidos —, a América Latina, em 2025, dividirá com o Caribe um calendário eleitoral intenso, com 14 países realizando processos eleitorais.
Por ordem alfabética, os países com eleições previstas são: Argentina, Belize, Bolívia, Chile, Equador, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. Haverá tanto eleições nacionais quanto subnacionais, com características que variam amplamente entre os países.
Em um contexto global no qual indicadores anuais de democracia frequentemente apontam para retrocessos, os relatórios de 2024 elaborados por instituições que analisam o tema apresentam perspectivas diversas e contrastantes sobre esse fenômeno. Enquanto algumas regiões do mundo enfrentam um claro declínio democrático, marcado por processos de autocratização, em outras é possível identificar sinais de resiliência, evidenciando que a dinâmica democrática não é homogênea e varia conforme os contextos regionais e locais.
O V-Dem (Varieties of Democracy) [2], por exemplo, aponta que o nível de democracia percebido pelo cidadão comum retrocedeu aos patamares de 1985, enquanto a média global de democracia por país regrediu aos níveis de 1998. Ademais, desde 2009, a proporção da população mundial vivendo em regimes em processo de autocratização superou a daqueles que residem em países em democratização. Esses retrocessos têm se concentrado em regiões como a Europa Oriental e a Ásia do Sul e Central, destacando dinâmicas regionais que intensificam o declínio democrático. De forma semelhante, o relatório Freedom in the World [3] (Freedom House) aponta que, em 2024, direitos políticos e liberdades civis foram reduzidos em 52 países, enquanto apenas 21 registraram avanços. Eleições marcadas por manipulação e violência, bem como conflitos armados, contribuíram para o enfraquecimento de direitos fundamentais e agravaram crises humanitárias.
Em contraponto, o Latinobarômetro, que analisa a situação de 18 países da América Latina, caracteriza o ano de 2024 como um período de resiliência democrática na região, oferecendo uma perspectiva mais otimista. Segundo o seu último relatório [4], “o ano de 2024 mostra que até mesmo os aspectos negativos de uma década podem ser revertidos”. Essa análise está diretamente relacionada a um recorde de expectativas positivas da população sobre o futuro, apesar das dificuldades enfrentadas pelos países. Curiosamente, o relatório observa uma contradição: enquanto as pessoas acreditam em uma melhora pessoal no futuro, elas mantêm uma visão mais pessimista em relação ao futuro de seus países, o que reflete a complexidade do contexto regional.
O estudo sugere que o processo de deterioração democrática observado desde 2010 pode ter sido interrompido e apresenta indícios de reversão. O apoio à democracia na região aumentou em quatro pontos percentuais, alcançando 52%, um dado expressivo no panorama recente. Apesar disso, o relatório ressalta que a América Latina ainda enfrenta desafios estruturais profundos, acumulados ao longo de quatro décadas desde o início de sua transição democrática, como desigualdade social, corrupção e fragilidade institucional, que continuam a limitar o potencial de avanços mais consistentes.
Embora a América Latina e o Caribe se destaquem como uma exceção positiva no cenário global de declínio democrático, a região ainda enfrenta desafios estruturais significativos. Altos índices de pobreza, desigualdade social e a persistente informalidade econômica — que afeta metade da população economicamente ativa — limitam o potencial de crescimento inclusivo e sustentável. Esses fatores perpetuam a desconfiança nas instituições democráticas e ampliam as tensões sociais, dificultando a consolidação de democracias mais robustas.
De acordo com o relatório "Balanço Preliminar das Economias da América Latina e do Caribe 2024 [5] ", divulgado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) em dezembro de 2024, a baixa criação de empregos, a elevada informalidade e as desigualdades de gênero nos mercados de trabalho permanecem como problemas estruturais que impedem o avanço socioeconômico. Esses fatores não apenas comprometem a estabilidade econômica, mas também fragilizam as bases democráticas da região, alimentando a insatisfação popular e reduzindo a confiança nas instituições.
Conforme o documento, as economias da região permanecem aprisionadas em uma armadilha de baixo crescimento, caracterizada por taxas reduzidas de expansão econômica e uma dinâmica predominantemente sustentada pelo consumo privado, com menor ênfase no investimento produtivo. Esse modelo econômico compromete a capacidade dos países de alcançar uma trajetória sustentável e de longo prazo, agravando os problemas estruturais já existentes.
A América Latina e o Caribe enfrentam, em 2025, um cenário econômico desafiador, caracterizado pelo que a Cepal define como uma "armadilha de baixa capacidade de crescimento". As taxas de crescimento projetadas para 2025, de 2,4%, ainda que superiores à média da década de 2015 a 2024 (1,0%), permanecem insuficientes para reduzir as disparidades econômicas em relação aos países desenvolvidos.
Apesar da desaceleração da inflação nos últimos anos — que passou de 8,2% em 2022 para 3,4% em 2024 —, o risco de novas desvalorizações cambiais em 2025 persiste. Caso as moedas da região voltem a se desvalorizar frente ao dólar, como ocorreu em 2024, o aumento nos preços de produtos importados poderá pressionar novamente a inflação, reduzindo ainda mais o poder de compra das populações mais vulneráveis.
Aliada à complexidade econômica enfrentada pela América Latina e pelo Caribe — marcada por inflação elevada, instabilidade cambial e altos níveis de endividamento —, a região enfrenta desafios estruturais ainda mais profundos. A violência generalizada, a fragmentação política e a crescente desconfiança nas instituições públicas evidenciam a precariedade do cenário atual [6]. Apesar dessas adversidades, as instituições democráticas têm demonstrado resiliência ao assegurar a realização de eleições regulares.
No entanto, essa resiliência, embora notável, não pode ser analisada de forma isolada ou apenas sob a perspectiva procedimental. A manutenção da democracia em 2025 exigirá mais do que a capacidade de sustentar processos eleitorais. Diante de um cenário tão desafiador, a pergunta que se coloca é: será essa resiliência suficiente para se manter diante de crises tão profundas e multifacetadas?
Este texto apresenta uma análise descritiva do panorama eleitoral de 2025. Ao abordar os pleitos previstos, evidencia-se como a continuidade dos processos eleitorais em meio a cenários adversos reflete a resiliência das instituições democráticas, mas também expõe suas fragilidades. Compreender essas dinâmicas é essencial para avaliar as implicações desses processos, tanto para a estabilidade regional quanto para seu impacto no cenário global, especialmente em um contexto de crescentes demandas por reformas estruturais e fortalecimento institucional.
3. Um calendário intenso Clique aqui para ler o artigo completo.
O PARLASUL e os processos eleitorais de 2025
Os sistemas eleitorais na América Latina são tão diversos quanto os contextos históricos, culturais e sociais que moldaram cada país. Não há dois sistemas exatamente iguais: alguns países adotam regimes presidencialistas, outros preferem sistemas parlamentaristas ou híbridos, enquanto as formas de renovação legislativa e escolha dos representantes variam amplamente.
Essa pluralidade também se reflete na maneira como os processos eleitorais são conduzidos. Há países que renovam todo o congresso nacional em um único pleito, outros que realizam apenas renovação parcial, e, em certos casos, os novos congressos têm a responsabilidade de eleger, de forma indireta, o presidente. Adicionalmente, algumas nações distinguem claramente os papéis entre chefes de Estado e de governo, enquanto, na maioria dos casos, o presidente acumula ambas as funções.
No que se refere às eleições primárias, algumas são obrigatórias, enquanto outras são facultativas ou sequer integram o sistema político. Essa diversidade destaca a complexidade dos processos democráticos na região, evidenciando que não existe um modelo único a ser replicado, mas sim diferentes abordagens que refletem as particularidades de cada sociedade.
Por isso, a cooperação internacional e a observação eleitoral desempenham um papel crucial. Elas garantem não apenas a integridade e a transparência dos processos eleitorais, mas também permitem análises comparativas e estudos que ajudam a compreender o estado da democracia na região.
É essencial ressaltar que as eleições vão além do dia da votação. Elas constituem um processo contínuo que se inicia muito antes do pleito oficial. Nesse contexto, o Parlamento do MERCOSUL, por meio de seu Observatório da Democracia (ODPM), monitora de forma cuidadosa os calendários eleitorais dos países membros do bloco e também de nações que mantêm relações estreitas com o MERCOSUL.
Essa atuação é realizada em parceria com organizações eleitorais, entidades internacionais e representantes da sociedade civil, com o objetivo de promover e fortalecer os princípios democráticos na região.
Alexandre Andreatta
Diretor Executivo do Observatório da Democracia no Parlamento do Mercosul (ODPM); bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Latino-Americana (UNILA); mestre em Ciência Política pela mesma universidade e bacharel em Direito pelo Instituto de Direito Público do DF (IDP).
observatorio@parlamentomercosur.org
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