Um novo episódio da saga argentina no MERCOSUL

Opinião Parlamentar (10/09/2024). Artigo de opinião da parlamentar Lilia Puig, membro da Delegação Argentina.

Na primeira semana de setembro, ocorreu em Brasília uma nova reunião entre os negociadores do Acordo União Europeia-MERCOSUL.

Ficou acordado continuar as negociações nos próximos meses, com base em importantes avanços em termos de cooperação europeia para a modernização da indústria do MERCOSUL, e outros pontos foram fechados.

A força da Presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, recentemente reeleita, permitiu que ela continuasse a agenda que defendeu nos últimos quatro anos, mantendo o negociador Rupert Schlegelmilch. Um exemplo de racionalidade política para os argentinos.

O que está sendo negociado?
As objeções, principalmente do Brasil, a partes do acordo relacionadas às compras governamentais, entre outros pontos menores; a adenda apresentada pelos europeus em março de 2023 relacionada ao Pacto Verde; e uma contraproposta sobre as exigências ambientais, liderada pelo Brasil com apoio dos outros estados. Vale destacar que o negociador europeu afirmou, diante dos membros da Comissão Temporária sobre o Acordo União Europeia-MERCOSUL do Parlamento do MERCOSUL, que a adenda estava aberta à negociação. E é isso que está acontecendo.

Infelizmente, o governo argentino, no final da gestão do Presidente Fernández, em vez de se juntar à nova negociação, resolveu não apoiar o acordo e deixar nas mãos do governo brasileiro o controle das tratativas.

O governo iniciado em dezembro de 2023 rapidamente se pronunciou a favor do Acordo UE-MERCOSUL e ratificou essa posição em cada uma das reuniões internacionais.

Os europeus consideram o MERCOSUL sua melhor entrada no mercado latino-americano. Parlamentares de diferentes orientações políticas e funcionários da União Europeia manifestaram, nas reuniões de junho de 2023, a importância de negociar com uma entidade coletiva. Essa força do MERCOSUL parece não ser compreendida pelo governo argentino, que propôs recentemente, na reunião de chanceleres de agosto, uma suposta flexibilidade nas negociações com terceiros países ou grupos de países, permitindo o bilateralismo.

Ao mesmo tempo, propõem "trabalhar juntos para promover um comércio internacional justo, baseado em regras claras e transparentes, apresentando-se como um modelo de integração regional que demonstra ser possível conciliar o crescimento econômico com a proteção ambiental e o desenvolvimento social".

É difícil entender como, ao mesmo tempo em que se reivindica a integração regional, se proponham saídas individuais nas negociações com países fora do MERCOSUL.

Além da opinião política, o governo parece desconhecer a natureza jurídica do MERCOSUL. As negociações em bloco são uma consequência direta e obrigatória do caráter de união aduaneira desta organização intergovernamental.

O Tratado de Assunção e o Protocolo de Ouro Preto estabelecem isso expressamente em seus primeiros artigos. Da mesma forma, a tarifa externa comum é uma condição necessária para qualquer união aduaneira. Ambos os instrumentos jurídicos são regidos pelas disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Os países membros do MERCOSUL são signatários dessa norma internacional. Portanto, se a Argentina decidisse avançar unilateralmente ou associar-se a outro país nessa proposta de flexibilização que encerraria a negociação conjunta, facilitaria a ruptura do MERCOSUL.

Essa ideia não é nova na região. O Uruguai levantou essa questão em diversas ocasiões, sob diferentes governos. Especialistas em integração regional demonstraram a inviabilidade jurídica da proposta e os riscos políticos para o processo de integração regional.

No entanto, as críticas não abordam os requisitos faltantes da união aduaneira no que se refere à política comercial. Além das negociações em bloco e da tarifa externa comum, é necessário um código aduaneiro comunitário, a distribuição da receita aduaneira e a coordenação da defesa comercial comunitária com terceiros países.

Pode uma organização intergovernamental enfrentar esses desafios sem um corpo permanente, pluralmente integrado e profissional, que se ocupe continuamente dos interesses comunitários e não dependa dos altos e baixos políticos dos estados membros?

A repetição das mesmas questões entre nossos países demonstra que não basta criar novas instituições ("Grupo Ad Hoc de Relacionamento Externo", "Grupo de Relacionamento Externo do MERCOSUL") para resolver os problemas de coordenação, que tendem a aumentar com a adição de novos parceiros.

O MERCOSUL, como qualquer associação política, precisa que a tensão política entre os países conviva com uma consistência comunitária, apoiada no trabalho de profissionais recrutados por mérito, que assegurem o cumprimento das regras que regulam o comércio interno e externo e proponham soluções de alto nível técnico para os problemas comuns.

A questão não se resolve buscando a ilegalidade para escapar dos problemas de assimetria entre os países membros, mas sim assumindo-os e coordenando os processos de desenvolvimento.

[1] https://www.coadem.org/declaracion-de-coadem-ante-la-situacion-en-el-mercosur.html. Perotti, A.: conferencia “Mercosur: unión aduanera y negociaciones comerciales”. Instituto Eurolatinoamericano de Estudios para la Integración (IELEPI), Madrid, España, 23 al 25 de junio de 2021, webinar online “VIº Congreso Eurolatinoamericano sobre Integración Jurídica, Económica y Política-social”.

-Illescas,N. https://inai.org.ar/wp-content/uploads/2022/07/Uruguay-China-vf.pdf

-López,A. https://www.mercosurabc.com.ar/mercosur-la-peligrosa-inobservancia-de-la-normativa-en-materia-de-relacionamiento-externo-comercial

-Veron Guerra, M. Raimondi, G., https://www.lanacion.com.ar/opinion/negociar-pero-no-desdibujar-el-mercosur-nid12082021/

-F.Peña, https://www.clarin.com/opinion/ideas-sacar-mercosur estancamiento_0_aHpppIodL.html

-Opertti, D. https://www.busqueda.com.uy/Secciones/Opertti-ve-juridicamente-insustentable-el-planteo-uruguayo-ante-el-Mercosur-uc48614 

Artigo originalmente publicado em Nuevos Papeles.