Cooperação e observação eleitoral

Cooperação e observação eleitoral

A cooperação em matéria eleitoral e o instituto da observação eleitoral têm gerado cada vez mais interesse e ganhado importância no âmbito internacional.  A cooperação internacional é definida como o ato em que dois ou mais países ou instituições buscam atingir um objetivo comum por meio do acesso e incorporação de conhecimentos, informações, tecnologias, experiências e práticas em bases não-comerciais [1]. Assim, a cooperação internacional em matéria eleitoral se faz por meio do intercâmbio de boas práticas eleitorais em processos eleitorais, realizado a partir de instituições eleitorais, partidos políticos, OI’s e ONG’s.

Por sua vez, a observação eleitoral é realizada de forma autônoma por OI’s e ONG’s, com o objetivo de realizar uma análise aprofundada de um processo eleitoral e colaborar com o aperfeiçoamento deste sistema, ajudando a fortalecer a democracia por meio da apresentação de considerações e recomendações.

Tanto a cooperação internacional em matéria eleitoral quanto a observação eleitoral são expressões do interesse da comunidade internacional na realização de eleições democráticas como parte do processo de desenvolvimento da democracia.

A prática da observação eleitoral é um tema de Direito Internacional e uma das principais inovações institucionais surgidas em meados do século XX. Segundo José Thompson, diretor executivo do Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) e ex-diretor do Centro de Assessoria e Promoção Eleitoral (CAPEL), as primeiras eleições observadas foram realizadas em 1857, na Moldávia, na forma da “supervisão de países estrangeiros”, sob o acompanhamento de representantes da Áustria, França, Inglaterra, Prússia e Turquia [2].

Já Oscar Alarcón-Jiménez, especialista em observação eleitoral internacional, chama a atenção para o fato de que o instituto como conhecemos hoje deriva da observação em “países divididos”, num contexto de Guerra Fria, como foram os casos da Coreia e da Alemanha, e em territórios não autônomos em período de transição para a independência [3].

Apesar do desenvolvimento desse instituto, não existe uma definição normativa unanimemente aceita sobre o que deve ser entendido por observação eleitoral, nem qualquer regulamentação legal internacional. Muitas organizações internacionais realizam de alguma maneira processos de observação eleitoral, mesmo com objetivos e metodologias distintos, o que contribui para a confusão acerca do tema.

Em 2001, sob iniciativa do Instituto Democrático Nacional para os Assuntos Internacionais (NDI) e da Divisão de Assistência Eleitoral da Organização das Nações Unidas (ONU), autoridades e especialistas em matéria eleitoral formaram um grupo de trabalho e iniciaram consultas com diversos organismos internacionais, como a OEA, o Centro Carter e a Comissão Europeia, em matéria de cooperação eleitoral em âmbito internacional. Do processo de consulta entre as organizações envolvidas resultou um documento de consenso que foi apresentado e aprovado pelas organizações consultadas.

Em 2005, 21 OI’s subscreveram a Declaração dos Princípios da Observação Eleitoral Internacional (DoP), na qual foi incluído o Código de Conduta para Observadores Eleitorais Internacionais. Dos dois documentos, é importante ter uma clara compreensão do que se definiu como observação eleitoral: A observação eleitoral internacional é uma prática aceita em todo o mundo. É realizada por organizações e associações intergovernamentais e não governamentais internacionais com o objetivo de fornecer uma avaliação imparcial e precisa da natureza dos processos eleitorais para o benefício da população do país onde as eleições ocorrem e para o benefício da comunidade internacional [4].

Atualmente, mais de 50 organizações internacionais e organizações não governamentais subscreveram os dois documentos, e outras organizações internacionais e não governamentais ainda podem aderir à DoP e ao Código que a acompanha.

A DoP é o resultado de décadas de trabalho e cooperação internacional em matéria eleitoral. No entanto, a prática da observação eleitoral está longe de ser uniformizada, devido à falta de normas internacionalmente consensuadas e internalizadas pelos Estados.

Segundo Oscar Alarcón-Jiménez, após uma casuística heterogênea seguida desigualmente por cada OI’s e ONG’s ao longo dos anos, a adoção da DoP em 2005 marcou um ponto de inflexão. Um grande número de OI’s e ONG’s envolvidas na observação eleitoral adotou alguns princípios mínimos básicos e padrões elementares relacionados à observação eleitoral, bem como um código de conduta dirigido aos observadores eleitorais internacionais.

A observação eleitoral não só pode ajudar a legitimar um processo eleitoral, mas também, consolidar a confiança dos eleitores no processo, incentivando a sua participação, a troca de experiências (cooperação internacional) e dissuadindo aqueles atores que tentam de maneiras escusas, manipular o resultado das eleições a seu favor.

Percebemos, portanto, que apesar de existir um consenso na comunidade internacional em torno do que é e da prática da observação eleitoral, este instituto se desenvolve de diferentes formas, o que gera impactos não só em seu estudo, mas também em sua classificação. Nesse sentido, é importante distinguir a observação eleitoral de outras formas análogas a ela, mas diferentes em matéria de cooperação internacional eleitoral, como os casos de monitoramento, fiscalização, certificação e acompanhamento eleitoral. 

Na prática, os conceitos se misturam e podem ser utilizados de forma intercambiável para designar a mesma atividade. No entanto, as nuances legais que distinguem um do outro são mais do que importantes.

A observação eleitoral é um mecanismo que oferece uma avaliação imparcial não apenas do dia da eleição, mas do processo eleitoral como um todo, servindo também para avaliar o estado da democracia nos diferentes países onde a observação é realizada. Além da observação eleitoral internacional, existe também uma observação eleitoral nacional ou observação doméstica apartidária.

Desta forma, pode-se concluir que a observação eleitoral é uma atividade analítica cujo objetivo é aprimorar o processo eleitoral, contribuir com a transparência e a integridade, e reforçar a confiança pública nas eleições. As recomendações resultantes das MOEs, embora não tenham efeito vinculante e se diferenciem da fiscalização eleitoral, função dos Estados, proporcionam um exame detalhado e sistemático dos diversos aspectos do processo eleitoral, contribuindo assim para o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento.  

Espera-se que este reconhecimento,  continue a consolidar o instituto, fortalecendo assim, a cooperação internacional, contribuindo para o aprimoramento dos processos eleitorais.

Alexandre Andreatta 

Diretor do Observatório da Democracia 

aandreatta@parlamentomercosur.org

Referencias:

[1] AMORIM, Celso. Perspectivas da Cooperação Internacional. In: MARCOVITCH, Jacques (ed.). Cooperação Internacional: Estratégia e Gestão. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994. p. 149-163.

[2] THOMPSON, José. La observación electoral en el Sistema Interamericano. Diálogo Político, v. 25, n. 4, p. 37-67. Disponible en: https://www.corteidh.or.cr/tablas/r26904.pdf . Acceso en: 3 nov. 2023.

[3] ALARCÓN-JIMÉNEZ, Oscar. La observación electoral de procesos democráticos internos por las organizaciones internacionales: teoría y práctica. 2022. Tesis de doctorado. Universidad de Málaga, Málaga, España, 2022.

[4] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração dos Princípios da Observação Eleitoral Internacional (DoP). 27 oct. 2005. Disponible en: https://www.un.org/press/en/2005/hr5173.doc.htm . Acceso en: 24 abr. 2023.